O dia em que decidi fazer um ensaio sensual e o que eu descobri ao me ver
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Eu nunca me senti bem na própria pele.

Quando menina era magra demais, branquela demais, cabelos ralos demais, meus joelhos eram rodelas mais largas que minhas pernas e viviam ralados. Logo percebi que meu corpo não se movia como o das minhas colegas, não dançava como elas e era péssima nos jogos de queimada. Logo aprendi que ser como eu era fazia com que eu não me encaixasse. Doeu. Então, aos poucos, fui me desconectando do meu corpo para não sentir.

Quando adolescente meu sonho era pesar 50kg. Não conseguia chegar nem aos 45kg. Odiava meu corpo magro, odiava meus ossos aparecendo através da camiseta de uniforme, usava uma calça por baixo da calça jeans na tentativa de criar mais volume, sutiãs com ferros e enchimentos, cheguei a tomar remédios para engordar.

Adulta, vivi um período em que não questionava o formato do meu corpo. Mas era por estar desconectada dele e não por me aceitar como era. Nessa desconexão, comecei a usar a comida como válvula de escape para qualquer ansiedade. Aos poucos, fui engordando. Até estar mais de 20kg acima do tal “peso ideal”. Odiei meu corpo também quando engordei. Fiz dietas, fui para spas de emagrecimento, entrei em diversas academias, mas o tal do efeito sanfona controlava o ritmo. Se antes eram as pernas magras muito separadas que me irritavam, anos depois eram as pernas juntas demais. Escondia meus braços, minha barriga e cada vez mais partes de mim. Agora por baixo das roupas iam outras peças, para conter, pressionar e diminuir. E me dizia coisas horríveis frente ao espelho. Com isso vieram vários comportamentos para evitar as pessoas, evitar que me vissem, tentar a todo custo esconder meu corpo, acabando por me esconder por inteiro.

Daí que me dei conta de que vivi mais de 30 anos negando o meu corpo, disfarçando-o como se ele fosse um erro, sendo agressiva ao extremo comigo. Vivi anos me enganando, dizendo que o bem-estar viria no dia em que eu coubesse numa determinada forma ou fôrma, com outra aparência, adequada a outros moldes. Seja quando eu me senti magra demais ou quando me senti gorda demais, era sempre o mesmo não me sentir bem na própria pele que entrava em cena.

Nos últimos anos venho mergulhando em diversos processos para acessar minha força, vivendo experiências bem bonitas de descobertas e redescobertas sobre a mulher que eu sou. Em outubro de 2016, eu postei essa foto acompanhada de um desabafo, como início de um processo de assumir meu corpo no mundo. E as coisas começaram a mudar.

Como parte dessa jornada, decidi algo que poderia não ter a ver logo de cara com autoconhecimento, mas que se revelou uma das formas mais bonitas de fazê-lo: eu me presenteei com um ensaio sensual. Decidi me deixar fotografar como estava naquele aqui e agora.

Até então, me vinha uma ideia recorrente: “quando emagrecer vou fazer um ensaio fotográfico para celebrar”. Porém notei a armadilha, ali havia um entendimento de que só poderia celebrar e reconhecer meu corpo, quando eu estivesse num determinado padrão. Percebida a armadilha, resolvi me pegar no pulo e celebrar a vida pulsante que já havia em mim. Não precisava condicionar o meu amor e o meu reconhecimento a nenhum formato. Precisava me permitir a ver a minha beleza já presente.

Desde o instante em que decidi me fotografar, fui vivendo várias etapas de descoberta. Já havia algum tempo que eu fugia das lentes em situações sociais e vinha diminuindo até a gravação de vídeos de trabalho, por exemplo, por conta dessa limitação que eu impunha à minha presença no mundo. Decidir me fotografar já foi libertador nesse sentido. Escolher o tipo de ensaio, escolher as peças que usaria, e até me permitir me desnudar, mergulhar num projeto que era todo pensado pela equipe responsável, para acolher cada mulher em sua beleza natural, tudo foi me transportando para um lugar cheio de possibilidades e abertura.

Quando cheguei para a sessão de fotos, numa casa linda, cercada por outras mulheres prontas para me atender com atenção e acolhendo meu jeito de ser e estar, já foram virando mais e mais chaves em mim. E antes mesmo de ver qualquer foto, fui sentindo como estava linda ali naquele exato momento. Senti como eu estava vibrante, com o coração disparado, notei como o sorriso e a emoção vinham fácil. Quando a fotógrafa, a Karen, me disse: “que lindo esse sorriso tímido, continua assim!”, senti a liberdade de viver inclusive a vergonha como algo natural e ver beleza no meu próprio movimento. Dançar e dar risadas, me deixar levar pelo o que o ambiente revelava de luz e sombra, pelo o que o meu corpo pedia ao me direcionar ou me esquivar da câmera. Descobrir a possibilidade de expressar a minha sensualidade como uma experiência prazerosa de estar presente nos meus sentidos.


E à medida que a Karen me mostrava as imagens captadas na pequena tela da sua câmera, me vi encantadora, forte, imensa, potente em minha verdade. Meu corpo ali vivo, inteiro, presente. Aquela sessão começou a reunir tudo que eu trabalhei durante anos e o que vinha se intensificando nos últimos meses, para me aceitar, me acolher, me reconhecer, me ver. Ali as chaves todas viraram. Quando recebi as fotos depois, ah, já estava apaixonada.


É incrível o que acontece quando a gente simplesmente se permite ser.
Quando resolvi estar no meu próprio corpo, algo aconteceu. Algo que eu nem esperava. Algo bem além de autoaceitação. Despertou amor. Sabe quando você olha para alguém especial e nasce um sorriso? É assim que eu tenho me encarado, a partir do momento em que eu simplesmente me disse: seja. Seja quem você é, Juliana. Com essa barriga dobrando, com essa espinha no queixo, com essa fome por horizonte, com esses vazios que surgem, com as interrogações e reticências, com essa entrega que às vezes assusta, com os silêncios e as palavras. Ser. Assim do jeito que eu sou.

Antes de chegar na permissão, eu me neguei em muitas coisas. E tenho acolhido os pedaços remendados. Com amor, compaixão e ternura. Como quem pega um passarinho nas mãos.

 

Falar disso abertamente, mostrar algumas dessas imagens aqui, provoca um frio na barriga que nem consigo explicar. Mas aqui estou. Optando por estar presente. Demorei meses para colocar esse texto e essas imagens no mundo. Até que vi que esse processo não é só meu.

Qualquer medo ou vergonha de me abrir, perdeu espaço quando me atentei para o fato de que tantas mulheres estão vivendo essa dor solitária como se fosse algo só delas. Sentem-se fracassadas, piores, inferiores, erradas. No entanto, tudo isso é fruto de algo muito maior, que nos ronda e condiciona, um modus operandi cultural que controla nossos humores e corpos, que dita o que devemos ou não amar, reconhecer, aceitar. Que nos diz o que é ou o que não é permitido. Quais formatos são “adequados”. O que podemos ou não mostrar, desejar, ser. Mas hoje sabe o que eu queria lhe dizer? Nós podemos. Podemos demais. Você pode, sim! Permita-se ser. Inteira, com vida, assim desse jeito. Agora.

“Ande, sim, seja a força que você está destinada a ser… Ande, sim, viva como um ser pleno o tempo todo, até seus limites mais distantes.”

(Clarissa Pinkola Estés)

Que a gente acesse e use o que já é nosso. Que aproveite a enorme riqueza de ter um corpo que sente, cria, tem prazer, se nutre e pode aprender tantas coisas. Que você acesse e use toda a força que está destinada a ser.

E se prepare, porque esse processo abre muitas portas. E o caminho é sem volta. Ô, sorte!

E você, se sente bem na própria pele? Onde esse meu relato ressoou em você?

Vamos conversar aqui nos comentários. ♡